Depois de três derrotas consecutivas nas três primeiras votações em que comandou o Parlamento britânico – uma marca histórica – e da manobra inédita para suspender a sessão parlamentar por cinco semanas (de modo a reduzir os debates que pudessem evitar o Brexit), o premiê Boris Johnson fracassou na promessa de tirar o Reino Unido da União Europeia (UE) em 31 de outubro de qualquer maneira – “do or die”, vivo ou morto, doa a quem doer.

Aprovada ontem na Câmara dos Comuns, a lei que determina outro pedido de adiamento – o terceiro – na data fatídica para o Brexit, caso não haja acordo com a UE até o fim de outubro, foi encaminhada à dos Lordes. Na madrugada de hoje, eles concordaram em devolvê-la aos Comuns examinarem quaisquer emendas até o fim da tarde de sexta-feira. Com isso, haverá tempo para que seja encaminhada à chancela real segunda-feira, antes do início do recesso parlamentar determinado pela rainha, a pedido de Boris, até 14 de outubro.

Boris afirma que a nova lei tira dos britânicos qualquer força de persuasão para obter da UE um novo acordo antes de 31 de outubro. Apenas a ameaça de ruptura sem acordo (e o cenário catastrófico previsto nesse caso), diz ele, convenceria os europeus a fazer novas concessões até a reunião decisiva marcada para 17 de outubro.

 Nesse ponto, Boris tem razão. Se os negociadores da UE já haviam afirmado repetidas vezes que não aceitariam mudança no acordo fechado com a ex-premiê Theresa May em 2018, agora é que não farão nenhum esforço para atender as exigências de Boris (a principal: o fim do mecanismo criado para garantir uma fronteira aberta entre Irlanda e Irlanda do Norte depois do Brexit, chamado “backstop”).
Para haver novo adiamento do Brexit, é necessária a anuência de todos os 27 demais integrantes da UE na reunião de 17 de outubro. Embora não esteja garantida, é mais provável que os países resistentes acabem aceitando uma nova prorrogação no prazo do que corram o risco de mergulhar no cenário incerto do divórcio sem acordo. O caos previsto para o início de novembro parece, por ora, afastado.

A última cartada de Boris para tentar empurrar seu país para fora da UE de qualquer maneira foi a ideia de convocar eleições gerais ainda em outubro. Para isso, contudo, precisava de maioria de dois terços no Parlamento, ou 424 votos. O Partido Trabalhista, antes maior interessado numa nova eleição, fincou o pé e rejeitou a proposta até que a saída da UE sem acordo esteja mesmo descartada. Como resultado, Boris obteve maioria insuficiente para convocar as eleições (298 a 56).

Com todos os riscos que correu, a situação de Boris no poder ficou precária. Na terça-feira, ele já perdera a maioria parlamentar de um único voto, quando o Phillip Lee migrou do Partido Conservador para o Partido Liberal Democrata (contrário ao Brexit). Na manhã de ontem, expulsou do partido os 21 dissidentes que, na véspera, haviam votado a favor de retirar do governo o controle da agenda legislativa, contribuindo para a aprovação da lei contra o Brexit sem acordo.

Sem votos de outros partidos, os conservadores estão agora 43 votos aquém da maioria no Parlamento britânico. Noutro ponto, Boris (surpreendentemente alinhado com os trabalhistas) também está certo: só novas eleições podem restaurar o equilíbrio político e criar uma maioria estável que conduza a novela do Brexit a um desfecho.

 Na situação atual, como escrevi ontem, é impossível garantir apoio a qualquer cenário: seja o acordo de May (rejeitado três vezes), seja a saída sem acordo (rejeitada ontem), seja a revogação do Brexit ou a convocação de um novo plebiscito sobre o assunto.
Mas também não existe garantia de que o Parlamento resultante de novas eleições – antes ou depois do fim de outubro – tome alguma decisão. Quando convocou eleições há dois anos, a crença de Theresa May, na ocasião sustentada pelas pesquisas, era obter uma vitória inequívoca e uma maioria sólida que lhe permitisse levar adiante sem sobressaltos a negociação com os europeus.

O resultado foi exatamente o oposto. May saiu das urnas dependente do voto de dez parlamentares norte-irlandeses do Partido Unionista Democrático (DUP), situação que contribuiu para o impasse quando a resolução do Brexit passou a depender da fronteira irlandesa.

Ao adotar o tom radical em favor do Brexit, Boris pretende atrair de volta aos conservadores o eleitor frustrado que, num ato de rebeldia, aderiu ao recém-criado Partido do Brexit, de Nigel Farage, nas eleições europeias de maio. Ao mesmo tempo, tem alijado as vozes moderadas e conservadores tradicionais. Expulsou do partido até o neto de Winston Churchill, Nicholas Soames. Improvável que Boris saia das urnas com maioria consolidada. O mais provável é que, mesmo vencendo, tenha de moderar o discurso e negociar a formação do novo governo.

Situação idêntica vive o líder trabalhista, Jeremy Corbyn. Sua visão socialista e sua tolerância vergonhosa com o antissemitismo têm afastado moderados do Partido Trabalhista. Em que pese toda a lambança que os conservadores fizeram com o Brexit, o desempenho eleitoral dos trabalhistas, segundo as pesquisas, seria insuficiente para eleger Corbyn. Ele também teria de negociar com liberais-democratas e outros partidos, caso fosse a chamado a formar governo.

Mesmo tendo afastado a perspectiva do Brexit sem acordo, os britânicos ainda estão distantes do equilíbrio político. O Brexit rachou o país ao meio. Provocou uma fratura tão profunda que, hoje, as posições são inconciliáveis. Qualquer novo governo enfrentará dificuldades imensas para sair do impasse.

Eis, contudo, o que se pode dizer sem receio: duas das soluções – o acordo de Theresa May e a saída sem acordo – já foram rejeitadas de modo cabal e inequívoco pelas instituições democráticas, ainda que elas tenham ficado mais frágeis com isso. Falta ainda ouvir o Parlamento sobre a terceira: a revogação do Brexit ou um novo plebiscito.