Alguém falou-me dessa gameleira naquela igreja. Que cresceu onde não deveria ter crescido. Mas, lá estava ela. Eu a contemplei em meio às minhas viagens pelo norte de Minas. A copa desta árvore sobressai-se em cima da igreja e suas raízes descem pela parede e penetraram no chão.

Tudo indica que algum morcego fez suas necessidades no alto de sua parede dos fundos. Talvez um passarinho. E a gameleira foi crescendo; tornou-se uma árvore adulta. A parede, mistura de pedras e raízes, permanece de pé, sustentando a gameleira.

A igreja fica no Distrito de Guaicuí, pertencente a Várzea do Palma, logo depois de Pirapora e à beira da estrada, que segue para Montes Claros.

Aquele pedaço do sertão mineiro é importante para mim. Logo adiante, fica o encontro das águas do Rio das Velhas - Guaicuí em tupi-guarani - com o Rio São Francisco. Mais importante do que o Velho Chico só mesmo o Jequitinhonha. Esse vai além de qualquer dimensão. É meu universo mítico.

Um pouco de História: o Rio das Velhas foi explorado pelos bandeirantes paulistas desde os tempos da colonização, já no início século XVII. Lá, Borba Gato descobriu as minas de ouro perto de Sabará, que também fica às margens do Rio das Velhas, o maior afluente do Velho Chico.

O bandeirante acompanhou o sogro, Fernão Dias Paes Leme, em sua entrada até a barra do Guaicuí. Nestas expedições, que alcançaram o alto do Rio Doce e o Vale do Rio Jequitinhonha, encontrou-se ouro e também pedras semipreciosas, que Fernão Dias julgou tratar-se de esmeraldas. Mas eram turmalinas, também verdes. Daí o equívoco.

O Caçador das Esmeraldas acabou contraindo malária. Diz-se que ele morreu à beira do Rio das Velhas, onde fica o distrito de Guaicuí.

A região abriga algumas obras de valor histórico e arquitetônico. Por exemplo esta igreja de pedra, construída em estilo colonial pelos missionários jesuítas. A capela-mor foi erigida, mas a nave nunca chegou a receber cobertura.

Possivelmente, a expulsão dos jesuítas do Brasil pelo Marques de Pombal, em 1759, é a razão desta igreja ter ficado inacabada. E no alto dela germinou e cresceu a gameleira.

Enfim, a igreja abandonada constitui-se um testemunho do sonho não concretizado do bandeirante paulista. Uma curiosidade paisagística, que faz parte do insólito na História de Minas e do Brasil.

Vale mesmo a pena conferir tamanha beleza e raridade. Assim, à beira do Rio das Velhas, em Guaicuí, a obra do homem e a natureza se abraçaram. Sobrevivem ao desgaste do tempo.

 

(*) Bacharel e Ciências Econômicas pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA_USP) e Pós-Graduado em Didática de Ensino Superior (UNEB-DF). É Analista Financeiro do SERPRO – Serviço Federal de Processamento de Dados e ex Coordenador Geral da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.