Pela primeira vez, eternizado em suporte fotográfico de grande qualidade técnica e artística, as imagens desse acervo brasileiro chegam ao grande público com o lançamento da obra “Brasil Rupestre”, de Marcos Jorge, com textos dos arqueólogos André Prous e Loredana Ribeiro.

O homem pré-histórico brasileiro, aquele índio que construía a História do Brasil muito antes da chegada dos portugueses, produzia obras de arte de extraordinária beleza. A Academia detém esse conhecimento, pesquisa e acesso à arte rupestre nacional e aos sítios arqueológicos, porém o grande público pouco conhece e imagina o Brasil antes da colonização. Diferente das chamadas “grandes civilizações”, nas quais com o empenho do trabalho escravo foram construídos grandiosos monumentos, os índios livres no Brasil produziram um acervo artístico de rara beleza, registrado em pinturas e gravuras rupestres. 
 
“Brasil Rupestre é um livro democrático, voltado ao grande público, com linguagem acessível, mas que não desconsidera o rigor científico necessário para a correta apresentação do tema. Até agora, as imagens da arte rupestre nacional sempre foram feitas pelos próprios arqueólogos, sem o essencial suporte técnico e olhar artísticos necessários. A obra quer contribuir para cobrir uma dupla carência da sociedade brasileira: a falta de valorização do passado indígena e a institucionalizada distância entre a comunidade acadêmica e o cidadão comum”, fazem coro Marcos Jorge e Claudia da Natividade, o primeiro fotógrafo da publicação e, a segunda, produtora executiva da empreitada.

A primeira parte propõe uma viagem sensorial de Roraima à Santa Catarina, com fotos enormes, que dão uma idéia geral de todos os sítios, primando sempre por aspectos visuais, predominantemente panorâmicos e naturalistas. A segunda metade do livro trata desde as possíveis explicações para os registros e suas técnicas até a importância da preservação desses sítios, vai do Brasil Meridional a Amazônia.

Além dos escritores, Pedro Inácio Schmitz (Instituto Anchietano), Edithe da Silva Pereira (Museu Goeldi), Luiz Dutra de Souza Neto (UFRN), Jorge Eremites de Oliveira (UFGD), Walter Morales (UESC), Cláudia Inês Parellada (Museu Paranaense) e Valéria Ferreira e Silva (UFMT) fazem parte do projeto.

A seguir a entrevista que o fotógrafo Marcos Jorge concedeu a Thereza Dantas

O livro Brasil Rupestre é uma tentativa de democratizar a informação sobre os sítios arqueológicos do Brasil e sua arte. O Sr. teve muitos problemas ( burocracia, dificuldade de acesso) para chegar a esses sítios. 
As principais dificuldades encontradas no acesso à maioria dos sítios arqueológicos fotografados no livro Brasil Rupestre foi de ordem física. A maior parte dos sítios encontra-se em lugares remotos, onde se chega somente depois de longas caminhadas ou de viagens em jipe, e cuja localização somente os guias locais conhecem. Alguns estão em propriedades particulares e, nestes casos, obviamente tivemos que obter a autorização dos proprietários, o que nem sempre foi fácil. Quanto à burocracia, contamos neste projeto com o apoio  do IPHAN e isto naturalmente facilitou as coisas.
 
Como Sr. definiria a arte produzida pelos nossos antepassados?
Pergunta das mais difíceis. A arte rupestre brasileira foi produzida num período bastante longo (provavelmente entre 8000 anos antes do presente e 500 anos atrás) e portanto é de uma riqueza e de uma variedade impressionantes. Tentar reduzir uma produção tão extensa, tão rica e misteriosa a uma simples definição seria algo extremamente redutivo. Nosso livro tem justamente a função de apresentar ao público a variedade e a riqueza desta arte, portanto de ampliar sua percepção em relação às imagens que estamos acostumados a ver, que são sempre aquelas da Serra da Capivara. De qualquer modo, arrisco a afirmação de que a arte rupestre brasileira é sensacional, o que não quer dizer muita coisa, mas diz.
 
O Sr. fala sobre a importância do valor simbólico do material encontrado. Na sua opinião essas descobertas revelam o que do Brasil?
Revelam um pouquinho do que foi o Brasil antes da chegada dos portugueses. Embora não tenham deixado grandes monumentos nem obras escritas, os povos indígenas que aqui habitavam antes de 1500 tinham uma cultura vasta e rica, que seus desenhos deixam intuir de uma maneira muito especial.
 
O Sr. tem direcionado seu trabalho nessa área da arte rupestre. Gostaria de saber os motivos que o levaram ao filme "O Atelier de Luzia" e Brasil Rupestre?
Na verdade, meu interesse pela arqueologia não é o centro da minha atividade profissional, já que sou diretor de filmes e estou prestes a lançar dois longa-metragens que filmei nos último ano, Estômago e Corpos Celestes. Meu interesse pelo tema vem do tempo em que vivi na Itália, e é uma história interessante. No início dos anos 80, ainda adolescente, tive a oportunidade de concluir meus estudos secundários na Europa, morando um ano no norte da Itália. Aqueles tempos ainda não eram, como hoje, tempos de turismo de massa e um brasileiro no exterior ainda chamava um pouco de atenção sobre si. Obviamente todos, ao conhecerem-me, faziam-me muitas perguntas sobre o Brasil, perguntas que eu procurava, dentro do possível, responder. Mas dentre estas perguntas havia algumas, bastante freqüentes por sinal, que eu não conseguia responder, e eram as referentes ao nosso passado pré-colombiano (melhor seria dizer pré-cabralino, mas este era um termo que obviamente os italianos não conheciam). Por incrível que pareça, apesar de conhecer relativamente bem a história européia, minha ignorância sobre as culturas indígenas brasileiras era, então, praticamente total. Esta ignorância me embaraçava profundamente. Alguns anos mais tarde, após concluir a Universidade no Brasil, fui estudar cinema em Roma e apaixonei-me profundamente por aquela cidade. Tanto que nas horas vagas passei a explorá-la sistematicamente, e houve um momento em que, para conhecê-la melhor, freqüentei um curso de introdução à arqueologia. Mas o embaraço persistia: era então capaz de discorrer longamente sobre a história do Império Romano e sobre o período tardo-antigo, mas um interlocutor que me perguntasse algo sobre a arqueologia brasileira me deixaria mudo. No ano de 2000 voltei ao Brasil depois de mais de uma década morando no exterior. Era o ano das comemorações dos 500 anos do Descobrimento, e pareceu-me interessante elaborar um projeto de audiovisual que enfocasse justamente o que fora o Brasil “antes” da chegada dos portugueses. Logo percebi que o assunto era vasto demais, e decidi focar meu projeto nos únicos vestígios deixados deliberadamente pelos “primeiros brasileiros”: as pinturas e gravuras rupestres. De lá para cá fiz o documentário O Ateliê de Luzia e, deste documentário, nasceu a idéia de se fazer o livro Brasil Rupestre.
 
O Sr. afirma que a arte rupestre brasileira também é sofisticada. Por favor, nos cite alguns exemplos.
Algumas pinturas presentes no livro (na Serra da Capivara, no Vale do Rio Peruaçu e em Tocantins, por exemplo) são sofisticadas seja do ponto de vista técnico que do artístico e foram claramente feitas por indivíduos que, hoje, seriam chamados de "artistas". Mas basta folhear rapidamente o livro Brasil Rupestre para se defrontar com vários outros exemplos do que estou agora afirmando.