A propaganda eleitoral ainda não está permitida. Segundo a legislação brasileira, ela só começa em 5 de julho. Antes disso, quem busca um cargo público ainda não pode sequer se intitular candidato, mas o que se vê na prática é bem diferente. 
 
Caravanas, presença em eventos, reuniões políticas, propagandas partidárias e discursos sobre propostas e realizações que já estão a todo vapor são classificados como atos de “pré-campanha” eleitoral, embora em tudo se pareçam com o que se faz durante uma campanha regular. Ficam no tênue limite entre o que a lei define como propaganda eleitoral antecipada e a interpretação da Corte eleitoral.
 
O promotor de Justiça e coordenador eleitoral do Ministério Público de Minas Gerais, Édson Rezende, diz que a legislação brasileira não define claramente o que é propaganda antecipada e que o julgamento dessas questões acaba sendo subjetivo, apesar de já terem sido construídos alguns consensos. 
 
“Os casos vão sendo analisados, um promotor examina e acha que tem propaganda, o outro acha que não, um juiz acha que sim, outro que não. Desse conjunto de situações, nós vamos estabelecendo alguns marcos, algumas balizas. E hoje é mais ou menos consenso que o quê caracteriza a prática de propaganda, mesmo quando a pessoa não anuncia explicitamente uma candidatura e não pede diretamente votos, é quando ela expõe plataformas políticas, quando expõe projetos políticos. Isso quer dizer que antecipa para os eleitores o que ele fará se eleito”, explica. 
 
Para quem tem acompanhado o noticiário político e, mais recentemente, as propagadas partidárias, todos os já anunciados pré-candidatos, seja para disputa federal ou estadual, estão expondo suas propostas, atacando adversários, anunciando inclusive o que fariam num futuro governo, num tom claro de campanha eleitoral. “Se a gente for pensar a rigor, todo mundo está fazendo isso (propaganda eleitoral antecipada). Vai fazendo disfarçado e fica aquela linha tênue entre estar apenas debatendo as coisas e estar adiantando seu projeto político, seu programa de governo”, reforça o promotor. 
 
Hipocrisia
 
Para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), “vivemos numa total hipocrisia no Brasil, quando se fala em propaganda eleitoral antecipada, mas como todos descumprem a lei, não há impugnação reciproca”. 
 
Mello defende a revisão da lei eleitoral. “Para o futuro, sou favorável a abrir e permitir a propaganda eleitoral no ano das eleições, desde janeiro. É melhor ter uma lei com procedimento do que uma lei descumprida. A propaganda deve ser sem abuso do poder econômico e do uso dos meios de comunicação”, especifica. 
 
O presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Minas Gerais, desembargador Wander Marotta, reconhece que a campanha eleitoral antecipada é um problema real e difícil de ser fiscalizado. “Atualmente, com a imprensa sempre disponível para fazer coberturas e as redes sociais, entre outras ferramentas da internet, é impossível acompanhar e fiscalizar”.
 
Para ele “proibir o que não pode ser fiscalizado não faz sentido”. Contudo, o desembargador não vê como “sustentável a proposta de revisão imediata das regras de propaganda, a não ser num contexto maior, de reforma política e eleitoral mais abrangente”. Segundo ele, “a legislação atual atende satisfatoriamente as necessidades dos candidatos e resguarda o eleitor de abusos pela via da vedação de sua veiculação e da aplicação de multas”. 
 
Promotor quer liberar debate e conter abuso
 
O promotor Édson Rezende explica que a delimitação de tempo para campanha eleitoral nasceu da necessidade de combater as desigualdades neste processo, o abuso de poder. “Desde sempre a campanha eleitoral foi atrelada a recursos financeiros. Então, era preciso delimitar para guardar alguma igualdade de oportunidades. Se houvesse uma liberação geral, aquele que tinha dinheiro começaria a fazer campanha um ano antes e quem não tinha faria apenas 10 dias antes das eleições. Isto seria fator de desigualdade”, reforça.
 
Édson Rezende analisa que a tecnologia mudou bastante esse cenário. “Se pensarmos que hoje temos inúmeros meios, cada vez mais eficientes, principalmente a internet, de divulgação de ideias, sem necessariamente envolver recursos financeiros, nós chegamos à conclusão que é desnecessário termos uma delimitação de tempo, pelo menos no que diz respeito a essas formulas de divulgação gratuita”, diz. 
 
Segundo o promotor, o projeto de lei de iniciativa popular, intitulado Eleições Limpas e elaborado pelo mesmo grupo que criou a Lei da Ficha Limpa e que contou com sua participação, prevê mudanças nesse aspecto. “Defendemos que, na campanha eleitoral, o debate político não deve ter restrição, sempre que ele não envolver recursos financeiros. Porque, é óbvio, as pessoas poderiam incrementar de tal forma o relacionamento nas redes sociais que se envolvesse dinheiro. Nós não somos ingênuos a esse ponto. Colocamos no projeto que o discurso político, a manifestação de desejo de candidatura, as plataformas, a exposição de ideias, não caracterizam ilícito se manifestados de forma gratuita”.
 
Para Rezende, é necessário avançar porque o que se vê hoje é um faz de conta. “A legislação diz que a propaganda só pode começar em 5 de julho, mas está todo mundo ai falando de candidatura, a mídia refletindo essa movimentação dos candidatos, e nós ficamos nessa ilusão só porque o candidato diz que é pré-candidato, mas, na verdade, as candidaturas já estão postas”.
 
Lideranças defendem mudanças nas regras
 
Lideranças políticas mineiras concordam que é preciso mudar a legislação no que diz respeito à campanha e à propaganda eleitoral. “Entendo que a revisão da legislação eleitoral se faz necessária para o bem da democracia, por que estabelecer espaço de debate eleitoral contribui na formação do cidadão. Qualquer movimento que restrinja o acesso à informação por parte do eleitor é antidemocrático”, diz o presidente do PT mineiro, deputado federal Odair Cunha.
 
Para o parlamentar, é preciso garantir que o eleitor conheça seus candidatos. “O que tem que se vedar, e até punir, é o uso da máquina pública para fins eleitorais. Esse é o ingrediente que pode gerar distorções mais agudas”, analisa.
 
O presidente do PSDB estadual, deputado federal Marcus Pestana, partilha da mesma opinião. “Uma coisa é ação de proselitismo eleitoral, de pedir voto, mas você tem alguma dúvida de que o Pimenta da Veiga é candidato a governador e o Pimentel também? É um excesso de rigor que não é necessário e precisamos aperfeiçoar a legislação”, diz. 
 
O pré-candidato tucano ao governo de Minas Pimenta da Veiga ainda reforça que, da forma como está hoje, a legislação abre espaço para dúvidas e distintas interpretações. “Eu sou a favor das coisas bem transparentes, então, seria bom uma pacificação, porque há dúvida, o próprio tribunal tem interpretações diferentes. Por isso, é preciso, no mínimo, que esteja bem explicitado”, diz.
 
Mas por cautela, segundo o pré-candidato, ele e seus aliados, por enquanto, estão “apenas conversando sobre as questões de Minas, o modelo ideal para o desenvolvimento do Estado e evitando falar especificamente em campanha”.
 
Por meio de sua assessoria de imprensa, o pré candidato do PT ao Palácio Tiradentes, Fernando Pimentel, defendeu que a legislação atual “é suficiente e não inibe a atividade político partidária”. Para o petista, não seria necessária uma revisão no texto em vigor.