Ao longo de décadas, milhares de famílias do Vale do Jequitinhonha viveram na dependência da migração dos homens da região para buscar sustento no corte de cana nas usinas de açúcar e álcool, conforme mostrou o Estado de Minas na série de reportagens “Herança da cana”, em abril deste ano. Ultimamente, a região experimentou nova fase de mudanças, com queda de vendas no comércio, por causa da falta de renda e aumento do desemprego, consequências da mecanização da colheita da cana-de-açúcar no interior de São Paulo.

Por outro lado, moradores da região tornaram-se empreendedores, seja como pequenos comerciantes ou pequenos produtores, exatamente porque tiveram condições de montar o próprio negócio com a renda retirada do trabalho nos canaviais, a centenas de quilômetros de distância do lugar de origem, afastados das mulheres e dos filhos na maior parte do ano.

Os impactos na economia da região, com a redução das contratações dos boias-frias nas usinas do interior paulista, são testemunhados por Samuel Alves dos Santos, gerente de um supermercado em Minas Novas. O comerciante afirma que houve uma queda acentuada nas vendas de mantimentos, pois grande parte delas eram pagas com o dinheiro ganho nas usinas, enviado pelos trabalhadores para as mulheres deixadas para trás em companhia dos filhos.

O comerciante disse que, ultimamente, muitos moradores do Jequitinhonha passaram a trabalhar na construção civil nas grandes cidades, abandonando de vez o lugar de origem. Outras pessoas saíram para buscar o sustento na colheita de café no Sul de Minas e no Alto Paranaíba. “Mas, o tempo do trabalho nas colheitas de café também diminuiu para no máximo dois meses”, afirma Samuel, salientando que a mudança ocorreu por conta do uso de máquinas também nas lavouras cafeeiras. “Antes, eu vendia R$ 20 mil por semana, fazendo as entregas nas comunidades com um caminhão. Hoje, consigo vender, no máximo R$ 15 mil por mês”, assegura Samuel.

Ele salienta que o aumento do desemprego e a falta de geração de renda no Jequitinhonha trouxeram conseqüências ruins para outros segmentos do comércio da região. “Aqui em Minas Novas, existiam duas revendas de motos. Hoje, não tem mais nenhuma”, informa Samuel Santos, lembrando que as lojas tinham como principais clientes os cortadores de cana, que compravam motos, televisões e outros bens duráveis ao retornar das usinas, em períodos de fim de ano.

  Oportunidade

Por outro lado, há moradores que, ao mesmo tempo que lamentam a queda de postos de vagas no corte de cana, agradecem pela oportunidade do trabalho nas usinas de açúcar e álcool. Foi graças {a atividade na indústria que conseguiram juntar dinheiro e montar o próprio negócio. Um deles é Pedro Aparecido Rodrigues de Oliveira, de 40 anos, ex-cortador de cana que virou comerciante na localidade de Vargem do Setúbal, no município de Chapada do Norte de Minas.

 

Pedro Aparecido conta que, aos 18 anos, em 1997, começou a viajar para as usinas de São Paulo e Mato Grosso e pegou no pesado no corte de cana durante 13 anos. Com o dinheiro acumulado ao longo desse período, em 2010, juntou com o irmão Epaminondas Rodrigues Oliveira (que também era cortador de cana), e montou uma mercearia em Vargem de Setúbal. “Comecei com algumas coisinhas, como arroz, óleo, feijão e umas garrafas de bebidas. Hoje, temos quase de tudo”, afirma o ex-cortador de cana.

Também no Vale do Jequitinhonha, a mesma trajetória foi percorrida por Luiz Batista dos Santos, de 36, ex-cortador de cana e que hoje é dono de uma padaria na comunidade de Cansanção, no município de Minas Novas. Com 21 anos ele começou a “correr trecho” em busca do sustento. Trabalhou no corte de cana durante oito anos, em usinas de açúcar e álcool no Sul de Minas e São Paulo. “Todo o dinheiro que eu ganhei foi do corte de cana. Nunca trabalhei fichado em outra coisa. Nunca peguei em uma enxada”, confessa Luiz Batista, relatando que, em 2010, montou a padaria em Cansanção, o lugarejo onde nasceu.

O hoje comerciante relata que quase vai trabalhar em definitivo numa usina de açúcar e álcool no interior de São Paulo, mas não como cortador de cana, e sim como motorista de caminhão. “Tirei a carteira de motorista e cheguei a fazer curso para trabalhar com o transporte de carga. Se não tivesse montado a padaria, teria voltado para a usina e ficaria por lá mesmo. Pois aqui não tem emprego”, relata Batista.