Sempre que o telefone vibra, raramente é sinal de ligação. Na maioria das vezes, é uma mensagem no WhastApp, aviso de uma curtida no Facebook ou de um novo seguidor no Twitter. Já faz algum tempo que é dessa forma totalmente conectada que as pessoas se relacionam.

Se por um lado essas ferramentas proporcionaram mais liberdade de comunicação, também colocaram em risco os relacionamentos com amigos e familiares. Uma pesquisa mostra que um em cada três usuários diminuiu a comunicação ao vivo com pessoas queridas por causa das redes sociais.

Com essa possibilidade de contato, 35% dos usuários ouvidos pela Kaspersky Lab – empresa russa produtora de softwares de segurança para a internet – admitiram que agora se encontram menos com amigos, filhos (33%), pais (31%) e até parceiros (23%). O levantamento foi feito entre outubro e novembro de 2016 com 16 mil homens e mulheres de 18 países, com idades acima de 16 anos, sendo cerca de mil brasileiros.

“Uso as redes para estar próxima sem estar presente, mas, depois das redes sociais, eu vejo menos meus pais”, diz a contadora Patrícia Coelho, 33. Segundo ela, o excesso de controle dos pais sobre a sua vida online já foi responsável por brigas na família. “Eles usavam o Facebook para me vigiar. Por divergências em relação a uma questão ideológica – o feminismo –, eu bloqueei meu pai e também a minha mãe, para que ela não desse notícias minhas a ele”, conta.

De acordo com o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependência Tecnológica da Universidade de São Paulo (USP), a mudança de paradigma de comunicação pela qual estamos passando é tão grande que alguns estudiosos a comparam com as mudanças proporcionadas pela descoberta do fogo. “O fato de uma pessoa estar na minha lista do Whatsapp dá uma sensação de conforto, pois eu sei que ela está do outro lado. Porém, isso muitas vezes diminui o fluxo de conversa”, analisa.

(Foto: Reprodução O Tempo)

Sem demonstrar nenhum arrependimento, Patrícia diz que, no seu caso, a qualidade de suas relações melhorou. “Eu me sinto muito melhor depois disso, mas, para eles, piorou. Eles acham que eu surtei”, afirma.

O estudo mostra também que 21% dos pais admitem que a relação com seus filhos piorou depois de os virem em situação comprometedora nas redes sociais. Por outro lado, mais de um quinto dos pais admite que o relacionamento com os filhos foi afetado pela situação inversa: depois que as crianças os viram em situações constrangedoras online. Para outros 14% dos pais, não há perturbação relacionada às atitudes dos filhos na internet. Até parece existir um consenso entre a maioria dos usuários de que as redes sociais não devem substituir os canais de comunicação pessoais e reais, diz o chefe da equipe de pesquisa e análise global da empresa, Dmitry Bestuzhev. Apesar disso, ele afirma que os resultados mostram que as redes sociais podem ser uma ‘espada de dois gumes’. “Estão mudando a forma como nos comunicamos uns com os outros, e o que vemos em mídias sociais tem repercussão em nossas relações no mundo físico”, diz.

Constrangimento. Foi também uma postagem no Facebook que quase complicou o namoro do humorista Ricardo Bello, 38. “Eu estava na rua e recebi uma mensagem da namorada que eu tinha na época. Brava, ela reclamava de fotos de mulheres em minha linha do tempo. Quando cheguei em casa, vi que tinham me marcado no anúncio de uma balada”, conta.

Situações comprometedoras nas redes sociais já foram responsáveis por prejudicar o relacionamento com cônjuges ou parceiros de quase um quinto (16%) dos pesquisados. Segundo Nabuco, queixas relacionadas a esse tipo de problema já são ouvidas nos consultórios.

Tornaram-se frequentes as situações como um jantar de família em que todos estão sentados à mesa, em silêncio, cada um mexendo em seu dispositivo eletrônico. “A psicóloga (norte-americana) Sherry Turkle diz que a tecnologia entra na vida das pessoas quando as relações humanas deixam de ocupar seu lugar. Possivelmente, nos hiatos de silêncio que deveriam ser preenchidos com informações mais impessoais”, finaliza.


NÚMEROS

21 % dos pais admitem que sua relação com seus filhos foi prejudicada por terem sido vistos em situações comprometedoras na internet

65% usam as redes sociais para manter o contato com amigos e colegas, e 60% para ver postagens divertidas e curiosas.


‘Tecnologia ajuda, mas calor humano faz falta’

O namoro de Ricardo Bello na época do desentendimento provocado por uma postagem no Facebook terminou bem depois, por outros motivos, garante o humorista, mas com o episódio ele aprendeu que era possível mudar as configurações de privacidade e filtrar as marcações.

“Trabalho com shows de humor, tiro fotos depois das apresentações, e até as fotos marcadas eu também filtro. É mais seguro do que ficar exposto a qualquer postagem. Configurei meu Facebook para evitar transtornos. Nas redes sociais todo cuidado é pouco. Qualquer comentariozinho do tipo ‘adorei ontem’ pode gerar transtornos”, reconhece.

E, mesmo com a correia do dia a dia e a praticidade dos aplicativos de mensagem, ele diz que evita deixar o relacionamento com as pessoas queridas restrito ao mundo online. “Já senti que a comunicação diminuiu, mas não fico sem falar ao telefone e encontrar. A tecnologia ajuda, mas o calor humano faz falta. Quando a saudade de ouvir a voz ou de encontrar aperta, aí eu ligo e marco de encontrar ao vivo. Além disso, no Whatsapp também tem os recursos de áudio e as ligações que ajudam a quebrar o gelo um pouco”, afirma Ricardo. (LM)


“Quando minha ex-namorada visitou meu perfil no Facebook e viu meu nome marcado em uma propaganda com a foto de mulheres bonitas, a casa caiu.” Ricardo Bello, 38, humorista

(FOTO: ARQUIVO PESSOAL)

 

“Foi uma escolha pessoal eu não me relacionar nas redes sociais com quem se incomoda muito com minhas posições e meu comportamento.” Patrícia Coelho, 33, contadora.( FOTO: ARQUIVO PESSOAL)

Pouco mais de uma década depois de o Facebook ser criado e oito anos após o lançamento do WhatsApp, essas se tornaram as redes sociais mais acessadas pelos brasileiros. Segundo a pesquisa Digital in 2016, da We Are Social, temos hoje no país uma média de 45% da população ativa em redes sociais.

Um dos públicos mais presentes digitalmente, os brasileiros são também os que mais sofrem com a dependência digital. O problema é semelhante ao vício em entorpecentes. E, quanto maior a dependência, piores ficam às relações, conforme observa a psicóloga do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da USP, Sylvia van Enck.

“Isso vem surgindo cada vez mais precocemente na vida dos filhos ao verem os próprios pais não conseguindo se desconectar do celular, do tablet ou do notebook. Dessa forma, as relações familiares acabam não se construindo”, diz.

Criados nesse ambiente ultraconectado, não é nenhuma surpresa que a dependência tecnológica seja mais comum entre adolescentes e jovens, entre 18 e 24 anos – faixa de idade de maior acesso –, segundo a especialista. Com o agravante de que o problema vem aparecendo cada vez mais precocemente. A psicóloga conta que tem recebido casos de famílias com filhos entre 6 e 8 anos que já começaram a ter prejuízos na escola devido ao uso exagerado da tecnologia.

“Até certa idade, por volta dos 10 anos, os pais conseguem impor limites, tiram o aparelho, submetendo-os a castigo, mas, depois, se isso não entrou como disciplina, eles perdem o controle, e quando os filhos estão adolescentes, os enfrentam”, afirma.

O vício, conforme explica a psicóloga, não é definido pela quantidade de horas que o jovem passa conectado, mas pela maneira como ele reage quando fica sem acesso à aparelhagem. “Se por falta de energia ou por problemas de conexão a pessoa fica muito agressiva, transtornada, como se o mundo fosse acabar, ou também quando a pessoa não se dá conta do tempo que ela despende no aparelho. Ao pensar que vai abrir o celular só para ler uma postagem e passa ali horas sem se dar conta, depois tenta se controlar e não consegue, como se fosse um vício em drogas”, explica. Nessas condições, o grupo da USP atende em média 20 pessoas e suas famílias por ano. Sylvia esclarece que o tratamento desenvolvido nesses casos não é como os de programas de combate às drogas ou ao alcoolismo, em que a pessoa não pode ter contato com o que o levou ao vício. “Não dá para pensar em tirar o computador da vida das pessoas hoje em dia. Trabalhamos com uma reunião por semana durante 18 semanas e, paralelamente, outro grupo com os pais também é atendido para que o trabalho seja integrado. Existem algumas técnicas que também utilizamos, como terapias baseadas em realidade virtual, momentos de leitura de textos, porque, para você tirar algumas horas da vida online da pessoa, deve inserir alguma coisa igualmente importante para ela”, afirma. (LM)

MINIENTREVISTA

Cristiano Nabuco, psicólogo

As relações ficaram mais rasas?

Sim. A geração digital está perdendo a capacidade de se aprofundar em conhecimento acadêmico e também cotidiano. Quando eu navego, ativo regiões semelhantes às de fazer força, diferentes de ler um livro, por exemplo, e que levam a um processo de superficialização. É como se a pessoa estivesse perdendo habilidades.

Quais impactos esse tipo de problema pode ter?

Existem duas possibilidades: a primeira, de o ser humano estar tendo a oportunidade de entrar em contato com um número tão grande de pessoas que isso vai mudar as características dessa geração como nunca aconteceu, e outra visão, mais pessimista, de que as pessoas não estão sabendo diferenciar informação e conhecimento.

É possível mudar?

A proposta é que as pessoas aprendam a utilizar a tecnologia de modo que traga benefícios e que não que se sintam cativas e presas a ela. (LM)

Franceses conquistam o direito de se desconectar

Estudos nas mais diferentes áreas de conhecimento estão revelando uma série de outros impactos do uso frequente da internet e do acesso às páginas de relacionamentos.

Uma pesquisa realizada por pesquisadores das Universidades Columbia e de Pittsburgh, ambas dos Estados Unidos, revelou que ficar nas redes sociais faz com que as pessoas se alimentem de maneira incorreta, comam mais rápido e escolham alimentos desprovidos dos nutrientes necessários para uma dieta saudável e balanceada.

A investigação concluiu ainda que a dependência das redes trouxe aumento do Índice de Massa Corporal (IMC) e níveis elevados de compulsão alimentar. Essa influência direta na saúde física e mental também foi alvo de estudo da Universidade do Texas, nos EUA. A pesquisa concluiu que conferir e-mails profissionais à noite tem um impacto significativo e negativo na vida pessoal dos indivíduos, e a prática deve ser evitada o máximo possível.

Pelo direito de se desconectar e de diminuir a quantidade de horas online, desde o dia 1º de janeiro, os funcionários franceses conquistaram o direito de simplesmente ignorar e-mails ou mensagens e chamadas de celular – que sejam relacionadas ao trabalho – em seus horários de folga. A lei foi apelidada como o “direito de se desconectar”. E ainda, as empresas com mais de 50 funcionários serão obrigadas a elaborar uma carta de boa conduta estabelecendo quais são os horários fora da jornada de trabalho – normalmente no período noturno e durante o fim de semana – em que eles não deveriam enviar ou responder e-mails profissionais. (LM)

Fonte: (LITZA MATTOS 0 Tempo)