É o que conta o filme “A hora do primeiro tiro”, do cineasta mineiro Gustavo Jardim, de 29 anos, que marcou presença na primeira exibição do projeto Tela Viva, em Cataguases, Zona da Mata de Minas Gerais.

Mas, para muitos, tudo não passa de mais um causo dos grotões de Minas. Era junho de 1967 e as rádios divulgaram que Israel havia declarado guerra e anunciava a invasão da Jordânia, com dezenas de tanques e milhares de soldados. Acreditando que se tratava do então governador de Minas, Israel Pinheiro, que tinha o prefeito de Jordânia como inimigo político, a cidade se mobilizou para se defender da tropa e dos tanques de guerra, jamais imaginando que a verdadeira guerra estava do outro lado do mundo, no Oriente Médio.“É um documentário ligado à ficção e verdade", conta o cineasta, que escutou a história de um morador de Jordânia e resolveu levá-la para a tela. “Na década de 1960, você tinha aquela coisa de polarização do prefeito com a ditadura militar. Ou você estava junto, ou era inimigo. E o prefeito de Jordânia era declaradamente contra o então governador de Minas Israel Pinheiro. Jordânia era um lugar problemático, com a violência do cangaço”, disse Gustavo. Enquanto isso, do outro lado do mundo, em 1967, no Oriente Médio, começava a Guerra dos Seis Dias, entre Israel e Egito. Notícia de invasão pelo rádio.

Em Minas, segundo Gustavo, o acesso às notícias internacionais era basicamente pelo rádio, principalmente o Repórter Esso, que anunciou que Israel iria invadir a Jordânia com tanques de guerra e 2,5 mil soldados. Um jordanense que morava em Belo Horizonte escutou a notícia e entrou em pânico, acreditando que a sua cidade seria varrida do mapa. “Ele voltou para Jordânia e armou toda uma defensiva, com todo mundo de garrucha, cavando trincheiras, esperando a chegada do governador com sua tropa. Um pacifista da cidade, segundo contam, tentou convencer o povo de que não haveria guerra e teria sido morto”, disse Gustavo. Na história contada pelos próprios moradores de Jordânia, dona Juliana, personagem que tinha 98 anos na época das filmagens, em 2004, e que morreu dois anos depois, sem ver o filme terminado, relata com detalhes uma guerra imaginária em sua cidade. “Quando veio o primeiro avião, uma mulher estava fazendo biscoito no forno. Disse que o mundo vinha acabando. Ela tocou dentro do forno e morreu torrada (sic)”, relatou a idosa.

VIOLÊNCIA LOCAL

Para alguns, a verdadeira guerra na cidade era promovida pelo “cangaço desgraçado” e também pelas pessoas que matavam outras, sem piedade, por um pedacinho de terra. “Matavam com pau, carabina. Era um açougue de matar gente", afirmou dona Juliana. Na época, segundo os moradores, bandidos do Sul e do Norte da Bahia se escondiam em Jordânia, que fica as margens do rio Jequitinhonha que divide os dois estados.

Para o poeta e compositor do Vale do Jequitinhonha, Geovane Antunes Figueiredo, o Nenguinha, que também aparece nas filmagens e dá seu depoimento ao som da música Mentir, de Noel Rosa, “aquele que só acredita no que vê e no que pegar, para as coisas mentirosas a luz dos olhos é cega. E é um burro cargueiro que grande peso carrega”.

O documentário, lançado na Mostra de Cinema de Tiradentes do ano passado, já recebeu três prêmios. Ele é todo legendado, pois o sotaque das pessoas é bastante carregado e cheio de expressões típicas da região.