Jornadas excessivas de trabalho, mudanças de escala por perseguição, pressões para assumir tarefas que seriam indevidas, desvios de funções e até demissões. Essas foram algumas das denúncias feitas nesta quarta-feira (13/7/16) por agentes penitenciários do Estado contra as direções da Penitenciária de Teófilo Otoni (Vale do Mucuri) e do Presídio Regional da mesma cidade.

Em audiência na Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), solicitada pelo presidente, deputado Sargento Rodrigues (PDT), quatro agentes convocados a falar sobre o assunto, assim como os dirigentes das duas unidades, dividiram suas falas com diversos outros agentes da plateia.

O agente penitenciário Silvandino Souza dos Santos, do Presídio Regional, relatou situações de sobrecarga de trabalho e de pressões contra servidores para assumir atividades sem relação com a função, com perseguições em caso de negativa.

Segundo ele, em 2013, o diretor da unidade, José Alberto Souto de Almeida, teria determinado a transferência de 22 presos para outras unidades, convocando para a escolta agentes que já tinham trabalhado durante um dia inteiro. "Eles tiveram que varar a noite na viagem, sem diária e sem descanso, sofrendo um acidente que quase culminou com a morte de dois agentes", relatou.

Na mesma unidade, outros servidores teriam passado a sofrer intimidação quando recusaram pedido, que teria sido feito pela direção, para que gerenciassem recursos destinados a pequenas despesas da instituição. “Não aceitamos por falta de recibos e de como prestar contas”, afirmou Silvandino.

Demissão - A negativa, segundo ele, teria resultado inclusive na demissão de Joice Gleine, funcionária do presídio, após ela ter sofrido um processo administrativo e situações de assédio moral em diversas ocasiões. Inicialmente, ela teria sido deslocada de suas funções para cuidar de um espaço que funciona como depósito de pertences dos presos, local onde até então não haveria um funcionário específico.

"Criaram um cargo para ela", criticou o agente, segundo o qual a transferência de Joice teria sido denunciada à corregedoria desta área no Executivo. A funcionária, contudo, não teria conseguido comprovar o assédio moral porque outros servidores teriam sido pressionados pela direção a não conversar com ela e nem abordar a questão, e acabou sendo demitida.

Ainda segundo disse Silvandino, dois agentes penitenciários, também do Presídio Regional, teriam sido designados para, em seus carros particulares, buscar diariamente diretores em casa, conduzindo-os até o local onde deveriam pegar o veículo oficial de trabalho.

Já o agente Antônio Marcos Avelino Oliveira, da mesma unidade, relatou problemas sobretudo com a escala de trabalho. Atuando na unidade desde março deste ano, ele disse ter iniciado a função de agente na chamada "jornada do castigo", por impor horas a mais.

No caso de Antônio, os plantões, geralmente de 12 horas trabalhadas para 48 horas de descanso (12x48), teriam sido determinados em 12x36, o que teria resultado em 195 horas trabalhadas no mês, contra as 160 que, conforme explicou, seriam as de praxe.

Penitenciária teria problemas semelhantes

As reclamações na audiência quanto à situação na Penitenciária de Teófilo Otoni foram semelhantes. Segundo o agente Geulliano da Silva, sua escala de 12x48 também passou para oito horas diárias como punição. Vários agentes explicaram que os plantões com intervalo maior, como os de 12x48, são importantes para que o servidor tenha o devido descanso requerido pela atividade e, ao mesmo tempo, não sejam criados vínculos com detentos. 

No caso de Geulliano, a mudança teria ocorrido após o agente ter sido escolhido para participar de uma avaliação do diretor de sua unidade e sua opinião, conforme explicou o agente, não ter agradado ao seu superior, que o teria questionado sobre as razões de não dar pontuação melhor.

Criticando a falta de sigilo acerca da avaliação dada ao seu superior, ele relatou, ainda, ter sido punido com desconto em folha por ausência solicitada em dezembro do ano passado, por motivo de exame acadêmico, o que seria assegurado por lei. Quando perguntou pelo livro de registro das solicitações para conferência, foi informado de que o mesmo teria sido substituído.

Rede social - Por sua vez, Cleonice Siqueira Chaves, assistente executiva de defesa social do consultório odontológico do Presídio Regional, relatou ter sido proibida de circular pela área administrativa da unidade e escalada como telefonista, trabalhando 40 horas semanais. Além do desvio da função, ela citou a jornada irregular, já que para a nova atividade deveria cumprir somente 30 horas semanais para resguardar a integridade auditiva e vocal. Cleonice disse, ainda, ter sido retirada da lista de aplicadores de prova do Enem na unidade, o que lhe renderia um ganho extra.

Os problemas, segundo afirmou a agente, começaram por uma publicação que ela fez em sua rede social, sem citar nomes de superiores, conforme frisou. A publicação fez com que ela fosse chamada a depor no serviço de inteligência da unidade, setor que, segundo relato dos agentes, funciona para apurar conflitos entre servidores e diretores. Sentindo-se pressionada a falar bem da administração em seu depoimento, ela se recusou e registrou boletim de ocorrência sobre o fato.

Desabafo – Já Alline Mendes dos Anjos, que estava entre os convidados, não conteve as lágrimas durante a audiência. “Hoje estou doente e tomo três remédios controlados. Não durmo e estou abalada emocionalmente e psicologicamente”, desbafou ela, agente do Presídio Regional de Teófilo Otoni.

Os problemas, segundo a agente, teriam começado quando ela manifestou preocupação com a falta de segurança para o trabalho imposta às agentes. Segundo ela, há plantões que são cumpridos no pavilhão 2 da unidade, com apenas duas agentes para até 70 detentas.

Desde que tornou pública sua preocupação, ela disse ter sido obrigada a cumprir, sozinha no pavilhão, uma jornada de 12 horas sem intervalo e sem alguém para rendê-la a fim de que pudesse almoçar ou lanchar, dependendo para isso da boa vontade de algum colega de outro setor, o mesmo se dando até mesmo para ir ao banheiro.

“Não temos segunda via de documentos porque não deixam, mas sou a prova viva das perseguições”, emocionou-se ela quanto ao fato de os servidores não teram acesso a cópias de comunicados e decisões relativas a sua vida funcional, segundo denúnciaram vários dos presentes.

Administradores negam as acusações

O diretor-geral da Penitenciária de Teófilo Otoni, Ademilson Rodrigues Jardim, rebateu, uma por uma, as acusações, se dizendo inocente da acusação de prática de assédio moral. Segundo ele, o agente Geulliano da Silva teria sido afastado depois de incidente que resultou na morte de um preso e está sendo processado por receber valores indevidos, além de seu salário.

“Ele terá de devolver cerca de R$ 40 mil e por isso mobilizou todos os agentes que estão aqui hoje contra mim. Quanto à jornada de trabalho, não entendo. Eu mesmo já fui diarista sob a determinação do Geulliano. Porque na época não era perseguição e agora é?”, questionou.

O diretor ainda acusou a agente Cleonice Siqueira Chaves de ter recebido 30 horas de trabalho além das trabalhadas, endossadas pelo diretor administrativo com o qual teria, supostamente, estreitado relacionamento pessoal. “Eu pedi para regularizar a situação, mas depois disso ela passou a se dizer perseguida”, justificou.

Ademilson também alegou que a agente teria concordado em atender o telefone tendo em vista que não teria outras funções a desempenhar na unidade.

Prevaricação - O deputado Sargento Rodrigues questionou o diretor quanto à abertura de processo de improbidade administrativa contra a agente, o que não foi feito. “Se o senhor diz que ela cometeu esses crimes, mas não abriu processo, também prevaricou”, frisou. O deputado Cabo Júlio (PMDB) alertou que a discussão não deveria entrar em detalhes sobre a vida pessoal dos agentes. “A discussão aqui é profissional, não pessoal”, ressaltou.

Os deputados também questionaram o diretor quanto ao fato da esposa deste, Francisca Helena Santiago Jardim, ter comparecido à reunião em carro oficial junto com o marido, já que não foi convocada a prestar esclarecimentos pela ALMG. Ao ser confrontado sobre a questão, o diretor se colocou à disposição para “assumir a responsabilidade” por este ato. E frisou que a agente é servidora concursada e de carreira na penitenciária.

Quanto à acusação de agentes de que o diretor manteria as celas da segurança máxima sem camas, obrigando os presos dormirem no chão, Ademilson argumentou que o juiz da comarca de Teófilo Otoni estaria ciente da situação e que as camas teriam sido quebradas para caberem mais colchões dentro das celas.

“Essa situação já acontece há quatro anos e o objetivo é para que três colchões caibam em cada cela”, explicou. O deputado Sargento Rodrigues advertiu o diretor: “só porque o juiz sabe não significa que não tenha sido cometido crime ou que isso esteja isento de punição”.

Assédio moral - Já o diretor-geral do Presídio Regional de Teófilo Otoni, José Alberto Souto de Almeida, declarou nunca ter tido em sua ficha nenhum caso registrado de assédio moral e lamentou as acusações dos servidores. “Sempre converso com vocês. Jamais proferi nenhuma palavra contrária aos senhores”, afirmou.

Deputados destacam que problema está no sistema

O deputado Sargento Rodrigues classificou como graves todas as denúncias. Disse ainda que já se tinha conhecimento do assédio moral praticado na administração pública estadual, o que inclusive gerou a aprovação de projeto que deu origem à Lei Complementar 116, de 2011, que trata da prevenção e da punição do assédio moral nesta esfera.

Ele destacou que, agora, tramita na ALMG o Projeto de Lei (PL) 780/15, do deputado Cabo Júlio, que aborda o assédio moral no Código de Ética dos Militares ao identificar quais são as transgressôes que afetam a honra pessoal e o decoro da classe. Até o momento, segundo Sargento Rodrigues, argumentava-se que tratar do assunto poderia trazer prejuízos para a disciplina e para a hierarquia militar. "Na verdade, são coisas muito distintas", justificou.

O presidente da comissão avaliou ainda que as denúncias trazidas por agentes de Teófilo Otoni, como a definição de escalas mais duras como castigo, ferem princípios como da moralidade, impessoalidade e busca da eficiência do trabalho. "Não são poucas e nem anônimas as denúncias recebidas sobre a situação em Teofilo Otoni", lamentou.

O deputado ponderou, contudo, que os problemas relatados não seriam de responsabilidade deste governo atual ou do anterior. "Decorrem, sim, de enorme falta de habilidade para lidar com o ser humano enquanto servidor público. É um problema interno da administração do sistema, e não político", avaliou ele, no que foi endossado pelo deputado André Quintão (PT), que defendeu, ainda, a valorização dos servidores.

Comissão - André Quintão pediu ainda que a Comissão analise com isenção e responsabilidade todas as questões expostas durante o debate. “Pior atitude que um agente político pode ter é não cumprir o seu dever e ficar indiferente às demandas da população”, lembrou.

Já o deputado Cabo Júlio destacou o papel da comissão de ouvir todas as partes envolvidas, independentemente de qual gestão esteja em evidência à frente da administração pública. "Ligação política não inibe o papel da comissão", pontuou.