Palmópolis: história oficial

A história oficial de Palmópolis, encontrada no site do município ou outros que lhe façam referência, apontam que sua fundação se deu e meados de 1910, pela família do Sr. Teófilo Pinto que chegou a região a procura de uma planta medicinal, muito comercializada na região de Minas Gerais, desde o século XVIII-XIX, popularmente conhecida como Poaia, Psychotria Ipecacuanha, planta segundo dizem, boa para problemas estomacais, intestinais, menstruais, entre outros. Desbravaram a mata e construíram seu primeiro rancho. Comercializavam a Poaia com o prefeito de Urucu, que veio a ser denominado município de Carlos Chagas (MG) em 1948, e lugar do qual se acredita, a família tenha surgido. Da comercialização da poaia, traziam tecidos, remédios e alimentos necessários a sua sobrevivência no local que depois da chegada de outras famílias constituiu-se em povoado primeiro chamado Bananeira, devido a grande quantidade de bananas; e, posteriormente Palmares, devido a grande quantidade de palmeiras. A família era composta por José Pinto de Oliveira, filho do Sr. Teófilo Pinto e outros irmãos; Antônio Pinto, Clemente Pinto, Reinaldo Pinto, Avelina Pinto, Virgulina Pinto, Maria de Jesus Pinto. A esposa do Sr. Teófilo Pinto, Dona Maria de Jesus Pinto e a esposa do Sr. José Pinto, Dona Maria Silva de Oliveira.

Depois de apontar esta pequena história da família Pinto, onde se percebe o destaque ao fato do senhor Teófilo Pinto ter chegado à cidade a procura de poaia para comerciar (planta que era requisitada até no exterior) pode-se inferir que ele tenha se transformado em um grande comerciante da região, pelo menos até o período em que esta planta ainda era procurada. A história apresentada no site oficial consultado, ainda cita alguns nomes que teriam contribuído para a fundação da cidade, embora, é claro tenham menor destaque com relação à importância da família Pinto. Foram sobretudo tropeiros que como o senhor Pinto eram muito comuns em toda a região do Vale do Jequitinhonha, onde se localiza Palmópolis. Era uma região de passagem entre o sul da Bahia e o restante de Minas.

Antes de continuarmos, é importante situar Palmópolis dentro do Estado de Minas gerais. Lembrando que a região só se emancipa em 1992, sendo antes distrito de Rio do Prado desde 1953.

O município fica dentro do Vale do Jequitinhonha, uma das doze mesorregiões em que se divide o estado de Minas Gerais; o Vale localiza-se ao nordeste do Estado e é dividido em cinco microrregiões da qual Almenara é a que possui o município de Palmópolis. A mesorregião pertenceu ao Estado da Bahia até o final do século XVII quando foi incorporada a Minas Gerais após a descoberta de diamantes em Tijuco (Diamantina) que tornou a região do Vale rica e hegemônica na produção até a descoberta das jazidas da África do Sul por volta de 1867. No entanto, com a decadência da produção diamantífera, tem início um processo de degradação da região do Vale do Jequitinhonha, que se tornou ao longo do tempo nacional e mundialmente conhecido como uma das regiões mais miseráveis do Brasil.

Abrimos este parágrafo para indicar que Palmópolis em relação a sua condição de região diferenciada e autônoma dentro do conjunto dos municípios que compõem o Vale, acabou também por ser vítima de um discurso que se fez dominante, que é o que enquadra todo o Jequitinhonha como uma área seca e miserável portadora de um dos menores índices de Desenvolvimento Humano (IDH). No entanto, Palmópolis encontra-se no Baixo Jequitinhonha (o Alto pertence ao sul da Bahia) uma das melhores regiões do Estado quanto à fertilidade do solo e condições de desenvolvimento. Ou seja, há também a necessidade de se levantar vozes que rebatam esta visão negativa que se tem do Vale e construam outro discurso em que estejam presentes todas as especificidades que caracterizam cada região e que, portanto, são próprias, não podendo ser enquadradas em um discurso único e homogeneizador que em nada acha respostas para os problemas que se colocam na atualidade no Vale do Jequitinhonha.

Palmópolis: a possibilidade de se considerar outros atores históricos

Como foi dito anteriormente, a problemática encontrada com relação à história oficial do povoamento de Palmópolis está ligada ao fato de que existe quem discorde de que o papel de fundador da cidade seja conferido apenas a um único agente, o Senhor Teófilo Pinto, como se apenas ele tivesse sido o protagonista capaz de fazer história enquanto o restante não. E lembrando que não há documentos que provem que no local já existia um povoamento e que as pessoas que ali viviam poderiam muito bem já ter estabelecido uma forma de vida ou de comércio baseada na terra ou produtos nativos, ficando apenas com relatos fundados na memória ou recontados de outros relatos outrora ouvidos sobre outros sujeitos que ali já existiam fixados a terra antes da chegada da família Pinto.

Uma das autoras deste texto pôde contar que desde pequena quando ouve falar de quem teriam sido os primeiros habitantes da região de Palmópolis serem mencionados índios e uma família cujo pai era conhecido como Negro Coné. Luciene A. Rodrigues, hoje estudante de História em São Paulo, é natural do Município de Palmópolis, Minas Gerais, e recorda que, em sua época de estudante sempre que se aproximava o aniversário da cidade era pedido que se fizessem trabalhos que contassem sua história. Segundo Luciene toda história contada que não apontasse a família Pinto como a fundadora não era considerada como a história “verdadeira”.

Há provas disso no depoimento do senhor Florisvaldo Ladeia:

“BOM, A HISTÓRIA QUE VOU CONTAR É QUASE UMA CONTROVÉRSIA DO QUE ATÉ HOJE SE SABE PELA GRANDE MAIORIA DOS MORADORES DE PALMÓPOLIS. SABEMOS QUE, SÓ O QUE SE SABE É CONTADO DE UMA ÚNICA FORMA, POR UMA ÚNICA FAMÍLIA. ISTO QUE EU VOU ESCREVER NÃO É PRA MUDAR A HISTÓRIA JÁ MOSTRADA ATÉ HOJE, MAS É PRA QUE SE COMPLEMENTA UMA HISTÓRIA DOS VERDADEIROS PRIMEIROS HABITANTES DE NOSSA CIDADE E MERECE UM NOVO OLHAR. SEGUNDO RELATOS, OS PRIMEIROS MORADORES DE BANANEIRA (PALMÓPOLIS) ERAM DE PESSOAS QUE VIERAM DE OUTROS LUGARES E SE INSTALARAM POR AQUI. QUANDO O SENHOR TEÓFILO PINTO CHEGOU, JÁ HAVIA 03 RANCHOS CONSTRUIDOS EM BANANEIRA, SENDO QUE 01 DELES FOI FEITO POR UMA FAMÍLIA CHAMADA LADEIA, QUE CHEGOU ANTES DO MESMO. ESTA HISTÓRIA É CONTADA POR UMA SENHORA TEODORA, QUE ESTAVA COM SEUS PAIS PRIMEIRO EM BARRACÃO (RIO DO PRADO), DEPOIS VEIO PARA CÁ. ELA CONTA QUE PRA CHEGAR ATÉ ELES TIVERAM QUE CORTAR MUITO MATO DE FOICE E FACAO. É QUE AQUI ERA SÓ MATO E CAPOEIRA. ELA FALAVA MUITO NO VELHO CONÉ, MUITO BONDOSO, E JÁ ESTAVA AQUI, O SENHOR TEÓFILO PINTO CHEGOU AQUI POUCO TEMPO DEPOIS PRA FAZER NEGOCIAÇÃO DE TERRAS COM OS MORADORES QUE JÁ ESTAVAM AQUI, E RESOLVEU FICAR POR AQUI TAMBÉM POR MUITO TEMPO. ELA CONTA AINDA QUE ELES PLANTAVAM, COLHIAM, VENDIAM E TAMBÉM TROCAVAM O QUE PRODUZIAM EM SUAS LAVOUR AS, NA AGRICUTURA E SÓ MAIS TARDE, A PECUÁRIA. ELES NEGOCIAVAM COM PESSOAS DE MG, DA BAHIA E ATÉ DO ESPÍRITO SANTO. ELES LUCRAVAM MUITO COM A "PUAIA". ELA FALAVA QUE JÁ VIU ÍNDIOS AQUI, MAS NÃO ERAM DAQUI NÃO, ELES VIAM DOS ARREDORES DA BAHIA REFUGIADOS, MAS DISCAMBAVAM DE NOVO PARA MESMAS BANDAS DE ONDE VIERAM. DONA TEODORA LADEIA ERA PARENTE DE SENHOR JOÃO LADEIA QUE AINDA MORA NOS ARREDORES DE PALMÓPOLIS. PESSOAS QUE A CONHECIAM E SABIAM DA HISTÓRIA CONTADA AQUI EM PALMÓPOLIS SOBRE OS PRIMEIROS MORADORES DIZIAM QUE NEM ELA QUE CHEGOU PRIMEIRO QUE TEÓFILO PINTO TINHA CORAGEM DE DIZER QUE FOI A PRIMEIRA. QUE ERA GENTE DE FAMÍLIA DELA QUE FEZ OS PRIMEIROS RANCHOS, MAS ELA SÓ VEIO PRA CÁ NO TERCEIRO RANCHO E QUE QUANDO SEU TEÓFILO CHEGOU, ELES AJUDARAM A LEVANTAR O RANCHO DELE”.

(Florisvaldo Ladeia é parente de Dona Teodora, uma mulher negra de olhos verdes que morreu aos 119 anos, conhecedora da história de Palmópolis desde que pertencia a Barracão, depois denominado Rio do Prado).

Em outra entrevista realizada pelo professor Claugildo de Sá e enviada a nós por correio eletrônico é a de Izabel Maria de Jesus, neta do Negro Coné:

Entrevistada: Izabel Maria de Jesus, nascida em 08 de março de 1950, filha de Maria Madalena de Jesus, que é filha de Conegúmene, portanto Izabel é neta do Negro Coné. Eram oito irmãs mulheres, quatro morreram, entre elas a senhora popularmente conhecida como Negra Joaquina fazendeira de esteira artesanal feita de taboa. Joaquina teve um filho que faleceu. Estão morando em Rubim e Jequitinhonha, as outras netas de Coné. São elas Modesta e Eva, sendo que a senhora Júlia não se sabe pra onde anda. Conta ela que senhor Coné e demais chegaram a Palmópolis na mesma época que outras famílias, contavam histórias sobre o grito da princesa Izabel, eles eram crianças e não entendiam o que ele queria dizer e falava que, se um dia eles alcançassem a sua idade,  iam entender sobre o tal grito da princesa.

Outros moradores entrevistados José Milhão, Dona Jovem, Isidoro, Peu de Narinha e Dona Adelita e Seu Manoel, são unânimes quando falam da existência de indígenas na região e de que o Negro Coné tinha terras ao redor de Palmópolis a qual vendeu a “preço de banana” por necessidade. Seu José Milhão fala que a poaia não era de acesso deles para comercialização só da família Pinto. Diz que negro Coné chegou já adulto em Palmópolis e que não se sabe de onde veio.

Dos depoimentos acima se pode inferir que, no mínimo, existia na região hoje denominada Palmópolis, antes da chegada da família Pinto, indígenas, muito provavelmente Maxakalis, comuns em Minas Gerais na região do Vale do Mucuri. Existem até hoje no município de Bertópolis, cidade limítrofe com Palmópolis. E também se pode deduzir a presença de negros, que poderiam ser constituídos de ex-escravos ou fugidos, visto não ser raro na época da escravidão que locais de mata fechada como era o caso da região, servissem de esconderijo ou local para a formação de quilombos, dos quais há muitos remanescentes em Minas Gerais.

O fato de se insistir em mostrar a presença do Negro Coné como um dos primeiros moradores da região antes da chegada da família Pinto não é para que haja uma substituição do nome do fundador por outro. Mas para que se perceba que qualquer convenção que tenha havido que culminou com a eleição do senhor Teófilo Pinto para personagem fundador da cidade, fez com que de maneira propositada ou não, outros sujeitos que participaram do mesmo processo de constituição do povoamento na região acabassem sendo omitidos e, portanto, não reconhecidos como agentes desse processo.

A família do Negro Coné, a família Ladeia, as outras famílias de tropeiros, negros ou indígenas que estavam fixados ou que se fixaram a terra de Palmópolis antes da chegada da família Pinto, também poderiam ser relembradas nas datas importantes da cidade quando se rememora sua origem. Mesmo que muitos sejam anônimos a menção de que esses grupos participaram da constituição do povoamento local, faz perceber que o discurso não é único ou homogêneo, mas que existem outras possibilidades, outras formas de atuação que convergem para um mesmo ponto. Perceber que há outra maneira de se construir a história que seja inclusiva, de todos, que procure representar a maior parte, e não apenas uma ínfima parte selecionada de acordo com convenções que tendem a contemplar apenas um dado grupo social.

Considerações finais

Sabe-se que Teófilo Pinto foi eleito fundador da cidade de Palmópolis. Por qual convenção não se sabe, conquanto deva ter tido seus méritos ou ter se destacado em suas funções, no comércio ou em sua posição social com relação aos outros moradores da região. Embora não tivesse constituído grande fortuna com o comércio da poaia ou se transformado em grande proprietário de terras, nem ter sido alguma vez prefeito da cidade, apesar da família participar da política da cidade há muito tempo, como também está muito ligada à primeira igreja da cidade, a de Santo Antônio. Talvez em meio a gente mais simples que formava o povoado Teófilo se destacou.

O que importa é que embora possa haver boas justificativas para considerar seu Teófilo como o fundador de Palmópolis, pudemos encontrar os ausentes dessa história quando ouvimos vozes que questionavam o fato de ter sido seu Teófilo o fundador do local sendo que antes mesmo de sua chegada já havia famílias estabelecidas. Ou seja, constata-se mais uma vez, a tendência em se preservar uma dada memória em detrimento de outra mesmo que essa outra seja fragmentada. No caso dessa memória preservada presume-se que muito de outras memórias tenham sido omitidas.