Antes da interdição da ponte, fiz um texto contado sua historia. Parece que despertou alguma curiosidade, pois um morador do Jacinto veio indagar-me acerca dos motivos que deram à ponte o arco, que a caracteriza (vide fotos de Anderson de Quadros Santos).

Tal pergunta é interessante. É a mesma que foi feita, em 1967, pelo Governador Israel Pinheiro ao Engenheiro-chefe do DER-MG, Dr. Caio Miranda, por ocasião da inauguração da ponte. A resposta foi “possibilitar a passagem de embarcações”, o que me suscitou algumas reflexões.

A primeira delas consiste na ênfase exagerada, a partir dos anos sessenta, ao transporte rodoviário, afastando esta possibilidade. Um erro estratégico, em face da extensão territorial do Brasil – dotado de rios navegáveis e ampla faixa costeira, o que o torna vocacionado para o uso de múltiplos modais de transporte, combinando ferrovias, hidrovias e cabotagem.

A outra reflexão está associada a degradação ambiental, que resultou em poluição e perda do volume de águas do caudaloso Rio Jequitinhonha de outrora. Processo que ganhou maior intensidade, a partir de meados dos anos sessenta, que também coincide com a inauguração da ponte.

Vale lembar que o nosso rio já teve vida abundante. Nele, havia peixes em profusão. Inclusive, os surubins. E também se navegava. Aí, reside a sensibilidade do engenheiro almenarense para as embarcações fluviais.

Ele é filho de Olindo de Miranda, o empresário que montou uma frota de cerca de 50 canoas, em parceria com Severiano Cardoso (ou Sivico) e José Cortes Duarte. Essas embarcações faziam a ligação entre Belmonte, durante o ciclo do cacau, e Araçuaí, à época, o terceiro maior entreposto comercial de Minas.

Quanto à reutilização da ponte, a Prefeitura de Almenara noticiou que o projeto para sua recuperação foi concluído terça-feira (27/01). O prazo previsto para finalizar as obras será em junho próximo, o que não impedirá que o trânsito para veículos seja liberado com 90 dias, dentro dos limites estabelecidos pelo DER.

Não obstante os transtornos à população de Almenara e dos municípios vizinhos, já afetando o comércio e abastecimento, a ponte interditada é oportunidade para chamar atenção para duas importantes questões.

A primeira delas é a precariedade das condições de infraestrutura do Vale do Jequitinhonha. Refiro-me a inconclusa BR 367, que liga a nascente e foz do Rio Jequitinhonha, com dois trechos sem pavimentação asfáltica: Minas Novas/Virgem da Lapa e Almenara/Salto da Divisa.

Afora outras obras, a exemplo do asfaltamento dos trechos rodoviários Almenara/Pedra Azul e os 40 km entre Virgem da Lapa e a Mata da Acauã, ao largo da represa de Irapé. São essenciais para integrar a região aos polos dinâmicos da economia brasileira.

A outra questão diz respeito a necessidade de medidas para recuperação das águas do Rio Jequitinhonha, o que envolve a recomposição das matas ciliares, incluindo os afluentes. Soma-se a despoluição dos mananciais, mediante adequado tratamento de esgotos urbanos e de outros resíduos sólidos.

Com a despoluição do rio, poder-se-á introduzir atividades de esporte e lazer ao longo de seu curso, tais como regatas e outras modalidades de esporte aquático, assim como o ecoturismo. É o caso da praia de Almenara, que recuperará o brilho do passado. Assim, voltará a ser um local de lazer e convivência.

O conjunto destas medidas, afetas a diversas esferas governamentais, requer ações que precisam ser capitaneadas pelas autoridades locais e regionais. Todavia, nada disto acontecerá sem a necessária articulação das organizações da sociedade civil do Vale do Jequitinhonha.

A solução para o problema da ponte está sendo conduzida, adequadamente, pelo DER-MG. Quanto ao Rio Jequitinhonha, é preciso articular ações voltadas a despoluição e preservação de suas águas.

Assim, o arco da ponte almenarense cumprirá o vaticínio de servir de passagem para embarcações. Também para reaproximar as populações do lendário rio.

(*) Bacharel em Ciências Econômicas pela Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Pós-Graduado em Didática de Ensino Superior (UNEB-DF). É Analista Financeiro do SERPRO – Serviço Federal de Processamento de Dados e ex Coordenador-Geral da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda