O Brasil vivia sob o regime militar no ano de 1966 do século passado. No comando da Nação o então marechal Castelo Branco impunha caça aos revoltosos (AI-3) e quem mais se opunha ao “governo”. Quem viveu esse tempo sabe o quanto era complicado estar na mira dos militares. Nem mesmo o bicampeonato mundial de futebol em 1962, no Chile, sob o comando de Garrincha e companhia, conseguia ofuscar a violência que se apontava com todo fervor sobre quem desejasse liberdade de expressão. O mundo inteiro vivia uma explosão de desenvolvimento e os Beatles eram a grande atração musical nesta época.

Mesmo naquela situação de falta de liberdade, alguns artistas como Geraldo Vandré, entre outros, conseguiam se expressar entoando cantigas de protestos e de amor. Aparecia naquela ocasião um moço de Cachoeiro de Itapemirim, a liderar um grupo de artistas denominado de “Jovem Guarda”e cujo nome era Roberto Carlos, o cantor do calhambeque e das roupas justas, que anos depois se transformaria no “Rei” da MPB. Nessa época, a cidade de Almenara também respirava música através de Geraldo Miranda e seus amigos (grupo The Wood Faces - Os Caras de Pau), motivados pela canção que tinha o seguinte refrão: “É Domingo e o Sol Já Começa a Brilhar”. O certo é que Geraldo Miranda conseguira uma grande façanha naquela época, ou seja, gravar um compacto simples, um disco de vinil com apenas duas músicas. Enquanto isso, o Brasil continuava dominado pelos militares, mas a falta de liberdade não impedia alguns destaques nas artes. O “Rei” se desabrochava no mundo artístico e, numa articulação dos irmãos Geraldo, Sabino e Totó Miranda, viabilizou-se a contratação de Roberto Carlos. No dia 26 de março de 1966, sábado, o então cantor se aportara em Almenara para uma apresentação no Cine Teatro Marconi, um espaço artístico-cultural idealizado e construído por Benício de Almeida, em homenagem a um dos seus filhos. 

O jovem Roberto Carlos chegou a Almenara ao meio-dia do dia 26 de março de 1966, debaixo de um sol escaldante de mais de 30 graus, apesar de o verão ter terminado seis dias atrás. Antes, porém, o futuro “Rei” da MPB fizera um show em Pedra Azul, no Cine Isabel. O artista realizou uma parada na estrada Pedra Azul a Almenara, em frente à Fazenda Currais, numa vendinha de secos e molhados, comandada por Ailson Gonçalves, o Té, hoje proprietário da Móvel, local que servia como um lenitivo para quem se aventurava naquela estrada empoeirada e sem fim. O cantor e seu fiel escudeiro Brasinha (lembram: brasa, mora?), que acompanhava Roberto Carlos por todos os cantos, se mostrava cansado pela jornada de mais de 80 km. Só deu tempo o proprietário do comércio dizer aos viajantes o que desejavam. Em seguida surgia na estrada o Mamelão Trançador, um agricultor que transportava centenas de canas caianas num carro de boi. O cantor olhou para Mamelão Trançador, artesão atualmente residindo em Almenara, perto do Caic, e pediu-lhe uma cana. De prontidão, conta Mamelão, hoje com seus mais de 80 anos, que atendeu ao pedido do seu interlocutor. Roberto Carlos solicitou-lhe o facão para cortar a cana e, depois de uma breve reflexão, descascou o produto, açucarado, afirma Mamelão, e chupou vários gomos. O jovem, ainda conforme Mamelão, pedira para levar algumas unidades do produto, o que foi prontamente atendido pelo bom homem que ajudara a colocar a seguir um feixe de cana dentro do fusquinha (ou Karmann Ghia) azul, cor preferida do artista até hoje. Comovido com tamanha bondade, Roberto Carlos mostrou gratidão e convidou Mamelão para assistir a seu show em Almenara. Ele revela que agradeceu o convite, mas não podia estar presente ao show devido aos afazeres naquela oportunidade. 

Roberto Carlos e seu parceiro chegam a Almenara muito cansados, sendo recebidos por Geraldo Miranda, que, ao lado de amigos, encaminharam o artista e seus amigos para o Hotel Almenara, de “Seu” Leôncio, hoje Hotel Almenara, localizada na Rua Hermano de Souza, o melhor da cidade naquela época, ponto de hospedagem de todos os visitantes ilustres. O Cine Teatro Marconi - palco de memoráveis eventos culturais e artísticos, inclusive o ANFER e o Modernal Show, estava lotado, com muita gente ansiosa para ver o artista que se despontava naquela época como grande revelação. Foi acolhido no local por uma eclética platéia que já conhecia algumas canções do cantor através das rádios Globo e Nacional, Inconfidência, entre outras daquela época. O artista se apresentou com sucessos como “Brucutu”, “Quero Que Vá Tudo Pro Inferno”, “Gosto do Jeitinho Dela”. “Eu Te Darei o Céu”, “É Papo Firme”, entre outros que chamam bastante a atenção do público. Foi um verdadeiro alvoroço a apresentação de Roberto Carlos, num barulho infernal, a ponto de deixar curiosas as pessoas que transitavam pela Rua do Sertão, hoje a Rua Hermano de Souza, procedentes da missa celebrada pelo Monsenhor Soares, aos sábados na Igreja São João Batista. 

Logo após o show, o cantor partiu rumo ao Bar da Tota, juntamente com seus músicos, a convite dos irmãos Geraldo, Sabino e Totó Miranda, que se faziam acompanhar de Waldemarzinho Sanfoneiro, Xisto Sobral, entre outros. O futuro “Rei” foi recebido com sorrisos largos pela proprietária do local, uma mulher de poucas palavras, mas muito educada. Logo os visitantes foram apresentados a uma bela loira de codinome “Sil”. O cantor não titubeou e partiu para junto do violão, aproveitando seu talento para entoar belíssimas canções de amor, chamando assim a atenção da maravilhosa mulher de olhos claros e corpo escultural. Quem esteve presente na farra do Bar da Tota, naquela oportunidade, conta que o futuro Roberto Carlos promoveu vários flertes em direção a “Sil”, uma representante digna do belo sexo. Talvez o mais importante integrante da Jovem Guarda tenha se encantado bastante com a magnífica loira, a ponto de desejá-la ardentemente, o que para alguns ficou apenas nos flertes. A história completa de Roberto e Sil ninguém sabe ao certo. Antes, porém, de visitar o Bar da Tota, que reside atualmente em Porto Seguro, o “Rei” Roberto Carlos participou de um coquetel no Clube dos Operários, sendo servindo pelo garçom Benvindo, atualmente gerente da Viação RioDoce, em Almenara, funcionário do comerciante Paulo Porto, ex-prefeito de Santa Maria do Salto, então proprietário do estabelecimento comercial.

Passados 48 anos da visita ilustre, a presença de Roberto Carlos continua viva na memória de tantos almenarenses que estiveram presentes no Cine Teatro Marconi naquele dia 26 de março de 1996, oportunidade em que a cidade teve a honra de acolher o futuro “Rei”da Música Popular Brasileira de várias gerações, pois quem não se lembra de “É Proibido Fumar”, “Detalhes”, “A Montanha”, “Jesus Cristo”, “Caminhoneiro”, “Lady Laura”, “Cavalgada”, entre tantas outras memoráveis canções de um “Rei” que um dia passara por estas paragens do Jequitinhonha, a conhecer Almenara e se encantar pela beleza da nossa cidade e da nossa gente. 

O futuro “Rei” da MPB partira no dia seguinte, domingo 27 de março de 1966, para a cidade de Nanuque, onde fizera duas apresentações, sendo uma no Clube Mucuri e no Cine Bralanda, cujas histórias a gente contará com a aquiescência de Sebastião Lobo, jornalista atuante naquela cidade do Vale do Mucuri, na década de 60. Os mais de 50 anos de sucesso do “Rei” Roberto Carlos passam também pelos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, com historias e detalhes interessantes.

João Avelar.