Com a Covid-19 ultrapassando a marca de 100 mil casos confirmados no mundo, cientistas e empresas farmacêuticas estão correndo contra o tempo para desenvolver uma vacina capaz de conter o espalhamento da epidemia.

Há pelo menos oito iniciativas de desenvolvimento de vacinas contra o SARS-cov-2 em andamento. Mas o desafio é grande – qualquer vacina precisa passar muitos testes pré-clínicos e clínicos (isto é, com humanos) antes de ser fornecida à população. Para o setor privado, isso é sinônimo de um investimento alto em um produto que talvez não dê certo.

Uma vacina como a da gripe já é conhecida há anos: basta adaptá-la à versão do vírus que está pegando naquele inverno. Por isso, o processo é incomparavelmente mais rápido, e pode rolar anualmente. Por outro lado, nunca houve uma vacina contra os coronavírus. O trabalho está começando basicamente do zero. 

Toda vacina se baseia no mesmo princípio: treinar o sistema imunológico para lutar contra os patógenos que se aventuram para dentro do seu corpo. Isso já acontece naturalmente – ninguém pega catapora duas vezes porque, depois da primeira infecção, seu corpo já aprendeu a lutar contra o vírus até então desconhecido e tem um exército de anticorpos prontos para eliminá-lo novamente, caso apareça. A vacina nada mais é do que um meio de ensinar seu corpo a se proteger sem precisar passar pelo perrengue da infecção.

Para isso, há dois tipos diferentes de vacina. Algumas utilizam o próprio patógeno, morto ou quimicamente atenuado – para que ele não seja capaz de causar infecção, mas seja o suficiente para fazer seus glóbulos brancos armazenarem a “impressão digital” da ameaça. Outras utilizam apenas um pedacinho do micróbio – no caso dos vírus, geralmente uma proteína – que sirva de gabarito para o corpo criar anticorpos. 

A maioria das vacinas está sendo desenvolvida por empresas privadas ou em parceria com elas. Nenhum dos concorrentes quer divulgar detalhes de sua receita. Afinal, quem encontrar a bala de prata contra o coronavírus terá em mãos algo mais valioso que a receita do molho do Big Mac – e, no estágio atual, ainda é impossível saber qual é a solução mais promissora. O mais seguro é esconder o próprio baralho – e blefar.  

Sabe-se que a Johnson & Johnson está estudando uma vacina baseada no vírus desativado, e a Clover Biopharmaceuticals, em parceria com a Universidade de Queensland, na Austrália, está pesquisando versões da vacina que usam uma proteína do vírus para gerar resposta imune. Perceba que essas são as duas estratégias clássicas, já mencionadas acima. 

Há uma terceira forma de se fazer vacinas, mais moderna e talvez mais eficaz no caso do novo coronavírus. São as chamadas vacinas de mRNA. O RNA mensageiro, no interior de uma célula humana, é o responsável por carregar a receita para fabricar uma proteína do DNA, onde ela fica armazenada, para o ribossomo, a linha de produção onde ela será montada. Os coronavírus, porém, não têm DNA: armazenam seu código genético em RNA, mesmo. 

Ao invés de injetar o patógeno inteiro ou uma proteína dele em você, essas vacinas injetam um trecho do código genético do vírus, que contém as instruções para fabricar alguma proteína reconhecível pelo nosso sistema imunológico. Repetindo: em vez de injetar a proteína pronta, essa vacina injeta a receita para fabricá-la. 

Nossas células comuns não são muito boas em reconhecer que o material genético que vem na vacina é estrangeiro – então elas vão simplesmente ler aquela receita e produzir a proteína codificada nos ribossomos. Ou seja, a vacina transforma suas células em verdadeiras fábricas de proteínas virais. Nosso sistema imunológico, porém, é mais esperto na hora de reconhecer o que vem de fora, e vai ler as proteínas como corpos estranhos. Assim, começará a produção de anticorpos contra eles. 

Essa é técnica pela qual optou a empresa de biotecnologia Moderna Therapeutics. As autoridades sanitárias dos EUA anunciaram recentemente que começaram a testá-la em humanos. Outra empresa, a alemã CureVac, também está desenvolvendo uma vacina de mRNA, mas ela ainda está em estágio pré-clínico (ou seja: não está sendo testada em humanos ainda). 

Existe ainda um outro método parecido, que utiliza o mesmo mecanismo, mas com moléculas de DNA em vez de RNA. A ideia é soltar um pedacinho de DNA com a receita para uma proteína do vírus no interior das nossas células, e torcer para o maquinário de fabricação de proteínas detectar o dito cujo e começar a usá-lo inocentemente. Esse DNA não vem do vírus, naturalmente (afinal, o corona só tem RNA). Ele precisa ser “cultivado” com auxílio de estruturas bacterianas chamadas plasmídeos, que não vem ao caso explicar aqui.

É esse método que a Inovio Pharmaceuticals vem explorando em seus estudos. O único problema é o risco desse pedacinho de DNA se incorporar definitivamente ao nosso material genético nativo. O que não é legal por motivos óbvios – ninguém quer virar um transgênico de vírus (ainda que ao longo de nossa evolução muitos genes fornecidos por vírus tenham acabado nos beneficiando).

Enquanto nenhuma vacina fica pronta, diversas equipes pelo mundo também vêm tentando desenvolver tratamentos para os infectados. Uma técnica é testar diversos medicamentos que já existem no mercado para outras doenças em pacientes com Covid-19. A lógica é mais ou menos assim: talvez esses medicamentos consigam afetar algum mecanismo de ação do novo coronavírus – qual, não sabemos. É um tiro no escuro.

Mas não custa tentar. Na lista dos candidatos, há drogas que são usadas no tratamento de HIV, ebola e malária, por exemplo. O mais avançado e promissor de todos é o Remdesivir, desenvolvido pela Gilead Sciences inicialmente para tratar ebola, mas que se mostrou mais eficiente em vírus respiratórios. Mas, mesmo assim, estimativas iniciais dizem que as chances da substância de fato funcionar para a Covid-19 é só de 50%.